 |
 |
Elas são mães,
esposas e espíritos absolutamente livres. Além disso, surfam
ondas do tamanho de prédios de três andares, coisa que, até
pouco tempo, só homens encaravam. Existe maior poder
do que romper o limite estabelecido e fazer de nossas vidas o
que bem entendemos?
Por Ariane Abdallah
|
 |
|
Para melhor entender este texto,
dedique-se a um exercício: imagine-se dentro do
mar, olhando para o horizonte, e, na sua frente,
crescendo como em um pesadelo, uma parede de água
da altura de um prédio de três andares. Essa é a
cena. Mantenha ela viva na memória e leia as
histórias que começam agora.
Michaela
Fregonese, 24, nasceu em Curitiba e desde os 12
entende que viver e surfar são verbos que indicam
a mesma ação. Aos 17 foi morar em Floripa, onde
fez faculdade, e, em dezembro do ano passado,
deixou o Brasil para correr o mundo atrás da onda
perfeita. Hoje, está em Oahu, no Havaí, morando em
uma casa de família. Lá, faz uns bicos para ganhar
uma grana, mas tem a ajuda financeira dos pais, um
mimo incapaz de tirar o mérito da ousadia de viver
em busca de um
sonho.
Viver para surfar foi uma escolha, não uma
oportunidade. Durante alguns anos tentou
participar de competições de surf, mas nunca
obteve resultados satisfatórios. A princípio, foi
frustrante concluir que não tinha perfil para
disputas. “Me destacava apenas quando o mar estava
maior, quando muitas mulheres não caíam. Elas
gostam mais de ondas pequenininhas.” Depois
entendeu que a condição poderia ser
libertadora.
 |
|
Andrea (à esq.) e Maria com as
respectivas crias, Keala e Bela, descansam na
praia de Speckles Ville, em Maui, em frente a
suas casas |
| |
Em 2004, formada em hotelaria,
decidiu ir para Pipeline, no North Shore havaiano,
uma das ondas mais perfeitas e perigosas do mundo
(o fundo de coral faz do pico um local traiçoeiro
e, muitas vezes, fatal). No Havaí, fez bicos de
faxina a jardinagem, juntou grana e se mandou para
a Indonésia. Em Bali, dropou ondas quase
perfeitas. De lá, para as ilhas Mentawi, um dos
lugares preferidos pelos surfistas por causa do
swell impecável. Envolvida por um tubo de mais de
8 pés (quase 3 metros), entendeu que estava
vivendo seu sonho e percebeu que não tinha volta.
Retornou ao Havaí há três meses. Acorda às 6h da
manhã para surfar Pipeline com cerca de 50 homens.
No dia-a-dia dentro d’água, não há muitos
cavalheiros. Ganha a onda quem chegar primeiro.
“Eu gosto de pegar onda grande, tem muito homem
que não entra. Aí a briga vira outra: vai quem tem
coragem”, desafia. O próximo encontro com uma onda
quase perfeita pode ser no México, Tahiti,
Maldivas, Fiji, Austrália, África... Uma coisa é
certa: para Michaela, 2006 vai ser verão o ano
inteiro. |
|
 |
 |
 |
No fio da navalha
Há um ano, exatamente em 6 de março
de 2005, Maria e Andrea surfaram – juntas pela
primeira vez – os cerca de 40 pés (12 metros) de
Jaws, a mais temida onda de Maui, uma ilha do
arquipélago havaiano. Desde então, formam a
única dupla de mulheres a praticar o tow-in
(esporte no qual um surfista é rebocado, com a
ajuda de um jet ski, para ondas maiores que 10
metros. Tudo porque braços humanos, de homens ou
mulheres, não são capazes de remar
suficientemente rápido para entrar em ondas
desse tamanho). Além de surfar paredes de água
do tamanho de prédios de três andares, elas
cuidam de casa, marido e filha.
Em 1994, a paulista Andrea
Moller, 26, fazia o ensino médio e praticava
mountain bike na Ilhabela (litoral norte de São
Paulo), onde morava com a família. Por essa
época, Maria de Souza, 36, já morava nos Estados
Unidos havia 18 anos e era casada com o surfista
havaiano Laird Hamilton, um dos caras que
inventaram o tow-in e grande ícone do surf. Com
ele tem uma filha, Bela, de 10 anos. Em 98,
Andrea se mudou para o Havaí para estudar e
surfar. Fez faculdade de hotelaria, casou,
| | |
 | | |
 |
teve uma filha (Keala, hoje com
2 anos) e, em 2005, conheceu Maria, que,
separada de Hamilton e casada novamente, estava
a fim de encontrar uma mulher com quem pudesse
fazer o tow-in: a maioria dos homens achava que
ela poderia se machucar e não ajudava. As duas
compraram um jet ski e passaram a ser uma dupla
que surfa ondas grandes. Andrea é a mil por hora
e ama competir. A pernambucana Maria fala
devagar e, embora tenha participado de
competições de ginástica olímpica na infância,
não gosta de disputas. Celebradas as diferenças,
ambas têm respeito e confiança na parceira,
fruto da consciência de quem coloca a vida na
mão de outra pessoa diariamente.
Andrea é instrutora de
mergulho, Maria organiza eventos em um resort.
As duas têm horários flexíveis e os arranjam de
acordo com as atividades que o mar e o vento
permitem. Praticam ioga, spinning, wind e
kitesurf. Passam parte do dia com as filhas
(Bela, a filha de Maria, inclusive surfa com a
mãe) e cuidam da casa – empregada e babá são
luxos impensáveis. Os maridos dividem as funções
e apóiam as mulheres. É, de fato, muito poder:
mães, esposas e domadoras de ondas. Isso tudo e,
claro, o enorme poder de fazer da vida uma
jornada emocionante.
| | | | | | | |