Analise cientifica de uma tragédia que ocorre 17 vezes ao dia no Brasil

Esta analise tem a finalidade exclusiva de reavaliar de forma cientifica o afogamento de Camila Pitanga e a morte recente do ator Domingos Montagner, ocorrida durante um mergulho no rio São Francisco, em Alagoas.

Nossos avanços são possíveis apenas se temos a humildade de reconhecer nossos erros e o bom senso e sabedoria de propor outros caminhos. O processo de afogamento possui mais de 8 milhões de variáveis em jogo, ou seja as possibilidades de escolhas são imensas, mas os resultados são apenas quatro:
1. Nada aconteceu – preparação e prevenção bem realizada,
2. Sobrevida sem seqüelas – preparação e prevenção falharam,
3. Sobrevida com seqüelas – preparação e prevenção falharam, ou
4. Morte por afogamento – preparação e prevenção falharam.

Importante neste processo a constatação de que cada ponto de decisão entre as 8 milhões de possibilidades não possui uma, mas varias respostas corretas – umas mais do que outras – embora possam levar ao mesmo resultado.

Para esta analise utilizaremos uma nova ferramenta desenhada para este propósito – linha do tempo do afogamento – que nos permite uma visão total do problema permitindo identificar falhas e assim rever escolhas e caminhos mais adequados de forma a evitar ou amenizar futuras ocorrências em cada momento, se iniciando bem antes do momento do incidente.

FASE PRÉ-EVENTO
PREPARE-se para prevenção, reação e mitigação
Gatilho – O local do ocorrido afogamento era sabidamente muito perigoso, um risco a toda comunidade local que implica em tomar atitudes.
Ações – Diante do risco presente, a comunidade deveria ser preparada ou se preparar (educação) a realizar medidas preventivas (ativa – vídeos, escolas, panfletos, propagandas; e reativa – avisar turistas e pessoal de fora a freqüentar apenas áreas com mais segurança ou menor risco), saber como reagir em caso de falha na prevenção (educação em como não se tornar uma segunda vitima, saber improvisar um material de flutuação para atirar a uma possível vitima, saber a quem chamar ou qual telefone ligar, não entrar em desespero, flutuar e guardar forças e outras), e ainda como mitigar (educação em primeiros socorros).
Intervenções – Entender o problema local (quantos afogamentos ocorrem, quais os riscos, quais regiões mais e menos seguras neste local, perfil de quem freqüenta e destes quem se afoga (idade, sexo, atividade, educação, etc), com este entendimento planejar as melhores intervenções (educar a sociedade local), implantá-las e reavaliar sua eficácia.
PREVINA
Gatilho – As pessoas em maior risco, nesta situação, são os turistas, que não conhecem os riscos do local e devem receber uma educação especial da comunidade, caso de Camila e Domingos.
Ativamente – Todos os locais de risco devem ser sinalizados com placas e caminhos que levam a lugares desertos e perigosos devem ser fechados ou desestimulados a permitir acesso. Em caso de não haver guarda-vidas no local, sinalizações devem deixar bem claro o risco do usuário e lhe indicar locais com menos risco ou com a presença de guarda-vidas e nestes ter mais facilidades aos usuários de forma a incentivar a ida a estes locais. Pelo informado neste caso, não havia placas ou informações orientando os locais mais perigosos como arriscado.
Reativamente – A presença do guarda-vidas é importante, mas não é possível em todos os lugares em um país continental como o Brasil, e deve ser otimizado aos locais mais turísticos e freqüentados e com menos risco, desde que o banhista seja informado por uma sinalização de que um local é perigoso, não há guarda-vidas e o risco é do banhista.

FASE EVENTO
REAJA
Gatilho – A falta de percepção do risco fez com que Camila e Domingos entrassem no local e em alguns segundos/minutos percebessem a existência de correntes e outras dificuldades que superavam suas habilidades e conhecimentos.
Ação – A partir do momento que se percebe o risco, a reação é sempre imediata e usualmente desproporcional se não estiver educado adequadamente na fase de PREPARAÇÃO.
Intervenção – Ambos iniciam uma luta para chegar a área seca, qualquer local próximo. Camila foi feliz nisto e fez uma ação de auto-salvamento e sobreviveu, no entanto Domingos não teve a mesma efetividade e sua escolha por tentar chegar a área seca, provavelmente contra a corrente, o levou a desperdiçar suas reservas musculares e chegar a exaustão em menos de 2 a 3 minutos. O desespero e despreparo a enfrentar tal situação pode precipitar o afogamento, ao contrário de reações mais calmas de manter apenas a flutuação e se deixar levar pela corrente até um outro local mais seguro. Isto se deve a uma boa educação em PREPARAÇÃO a reação que deve ser feita antes de tudo.

FASE PÓS-EVENTO
MITIGUE – não foi necessária ser realizada, pois Camila era um resgate/grau 1. Domingos, como todos sabemos foi ao óbito e encaminhado ao IML.

Comentários finais:
• Embora sempre em situações como esta tendêssemos a procurar por “responsáveis”, cada um de nós dentro da sociedade temos parte da responsabilidade. Governo Federal por sua ausência de política de enfrentamento em afogamentos, Estados por não se prepararem adequadamente para este enfrentamento, Municípios por ignorarem suas responsabilidades com seus moradores, e principalmente todos nós cidadãos por não assumirmos nossas obrigações de procurar por orientações e simplesmente culparmos os governos por tragédias ocorridas. Uma infeliz tendência do ser humano nestas tragédias em achar um culpado e de preferência que não sejamos nós mesmos.
• A natação ao contrário do que é dito e propagado, não blinda a pessoa contra o afogamento, já que os dois “sabiam nadar”. Temos de nos perguntar neste caso se a habilidade em saber nadar para evitar um afogamento é a mesma em piscinas, rios e praias? Certamente não, necessita-se de conhecimento apropriado a cada um destes cenários.
• Com 8.000km de costa e 57 bacias e sub-bacias hidrográficas, o Brasil é um dos países com maior área espelhada utilizável o ano todo. Não é viável que haja guarda-vidas em todos locais, e de fato os guarda-vidas cobrem menos de 5% destas áreas como ocorre em países desenvolvidos se concentrando em áreas turísticas, mais freqüentadas e cidades. É fundamental que a sociedade saiba os locais mais seguros e como evitar os locais de maior risco.
• Todos os momentos de gatilhos, ações e intervenções remetem em retro-alimentação a PREPARAÇÃO, de forma a entender o que houve de acerto e erros na educação pré-evento. Como ex: A ocorrência com os atores ocorreu no ultimo dia apenas, tendo tido tempo suficiente a PREPARAÇÃO (educação) adequada, caso ela existisse.
• Toda a análise foi realizada através de informações de mídia e pode sofrer em incorreções.

Depoimento de Camila Pitanga ao Fantástico deixa claro o que aconteceu – afogamento ocorrido por desconhecimento dos riscos do local e despreparo ao enfrentamento – corroborando a analise cientifica realizada pela SOBRASA
VER O DEPOIMENTO DE CAMILA PITANGA AO FANTÁSTICO

Dr David Szpilman
Diretor Médico da SOBRASA
Ten Cel BM Médico RR – Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro
Médico da Defesa Civil Municipal do Rio de Janeiro
Membro Fundador – International Drowning Research Alliance – IDRA

“AFOGAMENTO NÃO É ACIDENTE,
NÃO ACONTECE POR ACASO,
TEM PREVENÇÃO,
E ESTA É A MELHOR FORMA DE TRATAMENTO”

Dr David Szpilman

Dr David Szpilman

Dr David Szpilman - Sócio Fundador, Ex-Presidente, Ex-Diretor Médico e atual Secretário-Geral da SOBRASA; Ten Cel Médico RR do CBMERJ; Médico do Município do Rio de Janeiro; Membro do Conselho Médico e Prevenção da International Lifesaving Federation - ILS; Membro da Câmara Técnica de Medicina Desportiva do CREMERJ. www.szpilman.com